terça-feira, 24 de novembro de 2009

Auto-retrato

Bastaram oito meses.
Cheguei meio assim sem avisar, de um parto fácil, quase sem dor, em poucos minutos. Nasci com pressa.
E assim fui: pimentinha, risonha, irriquieta, moleca de pé no chão e sardas no rosto. Falando ligeiro, com a língua roxa de pitanga, barriga doendo de araçá e joelho doendo de urtiga. Se passarinho comia, eu também podia. Sempre deu certo.
Se ficava triste ía pra debaixo da cama, se aprontava subia no galho mais alto da goiabeira. E esperava o tempo.
Minha mãe foi freira, minha avó, índia curandeira. Cresci rezando o Santo Anjo, mudando de humor quando muda a lua, fazendo castelo pras formigas, armadilha pra lebre com graveto e caixa de papelão. Espiando no buraco da fechadura, lendo Condessa de Ségur naquele lugar escondido, desenhando tudo o que via, ouvindo meu pai falar sobre Filosofia, Astronomia, Física. Colecionei pedrinhas brilhantes, bolinhas de golfe perdidas, colecionei caramujos, colecionei sonhos (perdidos?).
Aprendi a distinguir cobra inofensiva da venenosa, mas gente boa de ruim ainda to aprendendo.
Fui vivendo sem medo, por não conhecer o mal, acreditando nas pessoas, falando o que vem de dentro, olhando no olho. Enfrentei sozinha a cidade, busquei, acreditei, amei, tropecei, dei o melhor de mim. Se me perguntarem como estou, sempre bem! Se sou eu quem pergunta: -E aí mulher??
Se eu estiver alegre, brinde comigo. Se confusa, vamos tomar um café? Se quero te entender, melhor um chá.
Não me deixem com sono ou de barriga vazia, que eu viro criança: quero ir pra casa! Não me deixem sem água, tenho muita sede! Não me digam mentiras porque eu acredito. Não me deixem sem carinho porque eu choro. Não façam injustiças porque eu grito. Eu grito alto, eu brigo, eu perco o sono.
Sou mulher forte em corpo frágil e alma de criança. Sou mãe, sou dona de mim, sou luta, sou leve, sou gargalhada, sou cúmplice.
Quero mais do que um bom sono em lençóis limpos. Quero sonhos coloridos! Preciso também de meias, meus pés são frios! Preciso das pessoas, preciso dos amigos.

domingo, 22 de novembro de 2009

Dolce Far Niente

" Escrevo num domingo, manhã alta, num dia amplo de luz suave, em que, por sobre os telhados da cidade interrompida, o azul do céu sempre inédito fecha no esquecimento a existência misteriosa de astros...
É domingo em mim também..."


Fernando Pessoa "O Livro do Desassossego"

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Pra ser Feliz...

Frases feitas. Como tantas outras: "Amar é...", "Amigo é quem...", blá, blá, blá. Às vezes tenho a impressão de que tudo já foi dito. Nada é inédito. Já diziam ( e subescrevendo a frase reforço meu pensamento) : "Nada se cria, tudo se copia." E esta sensação induz a uma certa inércia, na medida em que não nos estimula a criar (pois tudo já está pronto), corremos o risco de mergulhar nossos cérebros no ritmo preguiçoso e alienante do CtrlC/CtrlV.
Falemos então as mesmas coisas, mas com outras palavras? Falemos sobre aquilo que já foi dito de forma a enfatizá-lo, ampliando conexões, acrescentando reflexões, dissecando o pensamento, na ilusão de que formamos uma opinião? Sim, tudo já foi dito. Até mesmo isto que escrevo, certamente, alguém já falou, pensou, escreveu.
Então, como não ser banal? Há ainda quem queira identidade, neste universo massificado no qual, para inserir-se, é preciso ser igual. Talvez, não se prendendo às fórmulas fáceis, com um pouco de ousadia, questionando o que se tem por verdade absoluta.
Mas não se iluda, se a sua idéia é boa, se o teu pensamento reflete, apesar do ineditismo, o que anseia a maioria, ele será replicado, dito, copiado, alterado, digerido e sintetizado, produzido em série, distribuído como um produto de massa. E não será esta a pretensão, até mesmo de quem pretende ser original?
Dizem que as idéias estão no ar... que viajam no ar, como "pensamentos soltos". Então, agarre as suas! Coloque-as em prática. Escreva. Publique. Registre. Assuma a sua autoria. Mesmo não sendo erudito, tem beleza no lugar comum! Fale o que você pensa. Aja conforme você fala. Seja você. É preciso pra ser feliz...


"Nada se cria tudo se copia" A expressão é atribuída a Chacrinha (será?) "transformada" a partir da célebre frase do cientista Antoine-Laurente Lavoisier: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma" (a famosa lei da conservação da matéria).
Pra ler: O conto "Biblioteca de Babel" de Jorge Luis Borges.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Kismet??

Aos amigos que pediram mais desenhos, digo que me contento (e certamente contente) em escrever (deitada) já que estou momentaneamente impedida de sentar.


" O Kismet em si não impõe restrições ao que você pode fazer."


Ironicamente, esta frase é parte do texto que encontrei ao buscar o significado da palavra Kismet, quando aplicado ao cenário da informática, um software que serve pra checar segurança em redes. Na realidade o significado literal da palavra, quando traduzida, é outro: sina, destino, fatalidade.
O tema é amplamente abordado, no cinema, na literatura, e as opiniões a respeito, diversas.
Comentaram-me sobre um filme em que a protagonista tenta fugir de seu destino, mas mesmo tendo percorrido outro caminho, no final ele está lá, implacável. Ou seja, você pode optar em não comprar aquele livro hoje, mas se estiver "escrito" que você deve lê-lo, cedo ou tarde ele vai cair nas suas mãos. É como se a vida lhe desse outra chance e se você, teimoso, não aceitar o que ela lhe traz, bem... só vai retardar as coisas. Talvez porque ainda não seja o seu momento.
Aí entra outra questão. Em outro filme que assisti, a mesma história é contada várias vezes , mas o ritmo da protagonista ao vivê-la altera os finais. O descompasso ou a pressa trazem equívocos, mas quando ela entra em sintonia com o ritmo perfeito da vida, chega no lugar certo, na hora certa, encontra a pessoa certa, encontra o seu kismet. É, então, o seu momento.
Ele está ali. Você pode até resistir, e aí entram os desencontros, talvez tentativas da vida de lhe fazer despertar, quebrar o círculo vicioso e nebuloso em que as vezes nos encontramos, nos fazer pensar, diminuir ou acelerar os passos. Se assim acreditarmos, não há porque ter ansiedade...
Ouvi em algum lugar: "Às vezes um golpe de azar pode ser um extremo golpe de sorte." Tudo bem, tudo bem, lá vem a otimista incorrigível, mas porque será que é isto que a minha intuição teima em dizer? Pode ser sim, uma maneira de me auto-confortar, mas diante do irremediável, lá vou eu de novo, busco o melhor ângulo pra enxergar.
Aceitação, Resignação, otimismo, escolha a palavra que quiser. Eu atribuo a kismet, e se ele existe, sei que guarda boas surpresas para mim. E delas, eu não vou mais fugir!!

Sugestão pra assistir: " A Partida" (oscar de melhor filme estrangeiro em 2009; direção de Yogiro Takita)
Pra ler: O conto " Federica" no livro "Entre Mulheres" de Jane Tutikian.
Conselho de amiga: siga sua voz interior...