domingo, 26 de setembro de 2010

A Descoberta

Isto eles já sabiam: havia os perfumes que ele mais apreciava, e sempre os chocolates e biscoitos prediletos na despensa, e dela havia as meias soltas sob as cobertas e enquanto divagava seu olhar se desviava para cima, as frases suspensas, as mãos se unindo como se unem as de uma criança. Ele gostava de abrir as embalagens meticulosamente sem rompê-las, mas a despia com a sede e a urgência de quem tem somente um segundo. Estavam então separados por apenas algumas horas, e era isto que os tornava agora, sozinhos em seus quartos, tão mais conscientes do silêncio. Se a este momento de ausência e arrebatamento ela juntasse papel e lápis, então o material e o abstrato, o interno e o epidérmico, tomavam forma em palavras escritas, cuidadosamente dispostas em versos ou crônicas. Ele dispensava as palavras. Sentado ao piano traduzia toda a subjetividade do que sentia em sons tangíveis, em melodia, tons, acordes e harmonia. Havia profundidade em ambos, e era assim que se percebiam, não só pelos gestos ou preferências, mas também através da Arte, pois neles emergia simbioticamente a necessidade de materializar a intensidade daquela sensibilidade em formas palpáveis, fossem versos ou música.
Assim apropriavam-se um do outro.

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